O caso do blogueiro condenado à prisão e açoitamento na Arábia Saudita
será revisto pela Suprema Corte do país a pedido do rei, segundo informações
obtidas pela BBC.
Raif Badawi, de 31 anos, foi condenado por "insultar o Islã por
meios eletrônicos" e "desobediência", segundo o governo saudita.
Por criticar autoridades religiosas do governo, Badawi foi sentenciado a
dez anos de prisão e a mil chibatadas, a serem aplicadas ao longo de 20
semanas.
Badawi foi açoitado pela primeira vez na sexta-feira passada, recebendo
50 chibatadas em praça pública. Nesta sexta-feira, o governo da Arábia Saudita
adiou o novo açoitamento ao qual ele seria submetido hoje por motivos médicos.
O caso gerou uma comoção global. A Anistia Internacional lançou uma
campanha por sua libertação e governos ocidentais pediram o cancelamento do
castigo.
Mas qual foi exatamente o seu crime? E por que foi aplicada uma punição
tão severa em seu caso?
Quem é Raif Badawi?
O blogueiro criou um fórum online Liberal Saudi Network (Rede Liberal
Saudita, numa tradução livre) - hoje fora do ar - para encorajar o debate sobre
religião e temas políticos na Arábia Saudita em 2008.
Ele foi preso em 2012 na cidade de Jeddah por causa das críticas feitas
no site à polícia religiosa e clérigos sauditas.
Acabou condenado em 2013, mas recorreu da decisão, o que só fez com que
sua pena fosse aumentada em instância superiores da Justiça do país.
Há uma semana, ele foi açoitado publicamente, recebendo 50 chibatadas em
uma praça de Jeddah, algo que deveria se repetir ao longo de mais 19 semanas.
Qual foi o crime?
Em seu blog, Badawi fazia críticas a
autoridades religiosas do país, o que levou a uma tentativa de assassinato do
blogueiro em 2012. Pouco depois, sua família pediu asilo ao Canadá.
Isso ocorreu
depois que um notório clérigo saudita, Sheikh Abdulrahman al-Barrak, emitiu uma
"fatwa", ou decisão baseada em princípio religiosos, declarando que
Badawi era um "descrente" e um "apóstata".
Ele reclamou que
o blogueiro havia dito que "muçulmanos, judeus, cristãos e ateístas são
todos iguais".
Badawi foi
formalmente acusado de "insultar o Islã por meios eletrônicos" e
"desobediência".
Em 2008, ele
também foi acusado de apostasia - renunciar ao Islã - o que pode ser punido com
pena de morte, mas esta acusação não seguiu em frente.
A punição é severa demais?
Badawi foi
originalmente condenado a sete anos de prisão e 600 chibatadas pelo Tribunal
Criminal de Jeddah.
A pena foi
aumentada depois que ele recorreu da decisão em instâncias superiores para dez
anos e mil chibatadas.
A sentença deve
ser aplicada publicamente, com 50 chibatadas por vez, aplicadas com um bastão
de madeira flexível, ao longo de 20 semanas, a cada sexta-feira.
Madawi
al-Rashee, uma especialista em Oriente Médio da London School of Economics,
descreveu a punição como "excessiva".
Ela diz que a
pena foi tão severa por causa do clima político pelo qual passa o reino.
A participação
do país na luta contra o grupo extremista que se autodeclara "Estado
Islâmico" gerou críticas de sauditas conservadores, e açoitamentos
públicos com o propósito de defender o Islã podem apaziguar os ânimos.
Apenas nas duas
primeiras semanas deste ano, também houve nove execuções públicas, segundo
al-Rashee.
Zaid Belbagi,
conselheiro de governos do Oriente Médio para assuntos de comunicações, diz que
a punição está de acordo com a lei saudita e a Sharia, a lei do Islã.
Nas redes
sociais, muitos sauditas apoiaram a decisão.
Qual foi a reação internacional?
Uma série de países ocidentais, entre
eles Estados Unidos, Canadá, Alemanha e Noruega, criticaram abertamente a
sentença de Badawi.
Na última
quarta-feira, o ministro de Relações Exteriores canadense, John Baird, pediu
clemência para o blogueiro: "Essa punição viola a dignidade humana e a
liberdade de expressão".
"Gostaria
que eles pedissem sua soltura ao governo saudita e não apenas emitissem
comunicados condenando a decisão", ela disse.
Segundo o programa Newsnight, da BBC, é difícil para
os governos ocidentais criticar o governo saudita porque têm com ele contratos
vultosos para a venda de armas.
A Arábia Saudita
tem o quarto maior orçamento do mundo para Forças Armadas, de acordo com dados
de 2013, e gastam boa parte dele com a compra de armas americanas e da Europa.
O que acontecerá agora?
O futuro da
condenação é incerto. Chefe de Estado saudita, o rei Abdullah pediu que o caso
seja revisto pela Suprema Corte do país.
Hoje mais cedo,
o governo saudita anunciou o adiamento do novo açoitamento de Badawi por
motivos médicos. O país não deu detalhes de seu estado de saúde.
Mas a Anistia
Internacional disse em um comunicado que o médico que examinou o blogueiro
avaliou que suas feridas ainda não haviam cicatrizado e que ele não aguentaria
um novo açoitamento.
O médico pediu,
então, o adiamento da nova sessão de chibatadas, segundo a Anistia.
A mulher de
Badawi disse que, com a decisão, tem esperança de que as autoridades querem dar
fim à punição, que ela considera criminosa.
Ela já havia
expressado temor de que seu marido não suporte o que descreve como uma
"tortura física e psicológica".
Ali al-Ahme, do
Instituto de Assuntos do Golfo, é um estudioso da Arábia Saudita e especialista
em política saudita.
Ele destaca as
várias mortes de pessoas sob custódia do governo do país e sugere que tantas
chibatadas ao longo de 20 semanas podem levar uma infecção letal, dadas as
condições sanitárias precárias às quais Badawi está submetido em uma prisão
saudita.
Mas Zaid
Belbagi, conselheiro de governos do Oriente Médio para comunicações, diz que o
Ocidente é próximo do governo saudita e que uma "diplomacia de
bastidores" já está em curso para ajudar Badawi.