A
Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão monocrática do ministro Luis
Felipe Salomão que condenou as empresas que integram o Grupo Jequiti,
pertencente ao empresário Sílvio Santos, a pagar indenização por danos
materiais e morais à Natura Cosméticos S.A. pela utilização indevida de
produtos com a expressão Erva Doce – marca tradicional registrada pela Natura
–, além de outras denominações de sua propriedade.
A
Jequiti já havia sido condenada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) a
se abster de utilizar as marcas registradas pela Natura devido à violação de trade dress. Porém, para a turma, houve a
caracterização de concorrência desleal e da tentativa de confundir o público
consumidor – o que exige, além da abstenção de uso de marca, a reparação dos
danos causados à Natura, em valor que deverá ser arbitrado na fase de
liquidação de sentença.
Na
ação que deu origem ao recurso, a Natura narrou que detém marcas como Natura
Erva Doce, Revelar da Natura e Hórus, cujos produtos são tradicionais no
mercado. Apesar de deter os registros dessas marcas, a Natura afirmou que o
Grupo Jequiti comercializava produtos com as marcas Jequiti Erva Doce Mais,
Jequiti Oro e Jequiti Revela, atitude que violaria os seus direitos de
propriedade industrial.
Ainda
segundo a Natura, além da reprodução indevida das marcas, a Jequiti utilizava
identificação e grafia extremamente semelhantes às empregadas por ela,
especialmente com relação à disposição visual dos elementos nominativos.
Alteração de embalagens – O pedido de abstenção de uso de marca e
indenização foi julgado improcedente em primeiro grau, mas o TJSP reformou a
sentença por entender que houve aproveitamento indevido do prestígio das marcas
da Natura, já consolidada no mercado.
De
acordo com o tribunal, essa conduta ficou ainda mais evidente diante das
informações de que a Jequiti, ao saber que a Natura tomaria medidas judiciais,
alterou embalagens da linha Jequiti Erva Doce, mas sem deixar de utilizar
elementos que remetiam à marca líder.
Entretanto,
o TJSP afastou a condenação por danos materiais e morais por concluir que não
havia prova nos autos de que a conduta da ré teria impedido a Natura de obter
lucro com seus produtos, ou que tenha ocorrido desvio de clientela ou queda de
faturamento.
Após
a decisão do ministro Salomão que reconheceu o direito da Natura à indenização,
as empresas do Grupo Jequiti recorreram à Quarta Turma. Alegaram que os
precedentes que fundamentaram a decisão monocrática do ministro dizem respeito
à violação de marca, e não de trade
dress. Além disso, argumentaram que a comprovação do dano deveria ser
necessariamente feita na fase de instrução processual, e que nem sempre uma
conduta violadora de direitos de propriedade industrial é apta a gerar dano
moral.
Cópia
servil – No julgamento do recurso, Luis Felipe Salomão apontou que o próprio
TJSP entendeu ter havido “cópia servil” do trade
dress dos produtos concorrentes pela Jequiti, além do risco de
diluição das marcas da Natura em decorrência da conduta da ré de fabricar e
comercializar cosméticos com marcas e conjunto-imagem similares.
O relator lembrou que o artigo
209 da Lei de Propriedade Industrial prevê a possibilidade de o
prejudicado receber ressarcimento pelos prejuízos causados por atos de violação
de direitos de propriedade industrial e por ações, inclusive, não previstas na
lei, mas que tendam a prejudicar a reputação ou os negócios alheios e a criar
confusão entre produtos, serviços e estabelecimentos comerciais.
“A
norma, em nenhum momento, condiciona a reparação à efetiva demonstração do
dano, até porque, como dito, é inerente à violação do trade dress o desvio de clientela, a
confusão entre produtos, independentemente da análise do dolo do agente ou da
comprovação de prejuízos”, afirmou o ministro ao lembrar que, na violação de
marca ou trade dress, o dano é presumido (in
re ipsa), decorrendo seu reconhecimento da mera comprovação da prática de
conduta ilícita.
Salomão
também apontou que a apuração imediata dos danos não contemplaria a celeridade,
a economia, a efetividade processual, a tutela de propriedade intelectual e dos
direitos do consumidor; por isso, a apuração deverá ser realizada no momento do
cumprimento de sentença.
“Isso
porque, nesse tipo de ação, por um lado, a violação pode nem mesmo ser
constatada e, por outro lado, se constatada, a apuração, nessa fase processual,
só retardará desnecessariamente a cessação do dano, mantendo-se o efeito danoso
de diluição do conjunto imagem ou da marca e de confusão aos consumidores”,
disse o ministro.
Ao
negar o recurso do Grupo Jequiti, o relator afirmou ainda que, tendo em vista
que a honra objetiva da empresa se dá por meio de sua projeção externa, a
utilização indevida de seus signos identificadores atinge frontalmente seu nome
e sua reputação no mundo civil e empresarial onde atua. “A utilização indevida
da marca gera o correspondente resultado dano moral”, concluiu.
Recurso repetitivo – Antes
do julgamento na Quarta Turma, o REsp 1.527.232 havia sido analisado na
Segunda Seção sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 950),
em fevereiro de 2018. À época, o colegiado determinou a apreciação do caso pela
turma de direito privado por entender que as demandas entre particulares acerca
de trade dress dos produtos,
concorrência desleal e outras questões semelhantes, por não envolverem registro
no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), são de competência da
Justiça estadual.
Entretanto, a seção considerou que compete à Justiça
Federal, em ação de nulidade de registro de marca, com a participação do INPI,
impor ao titular a abstenção do uso, inclusive no tocante à tutela provisória.
(STJ)